domingo, 29 de abril de 2007

porque hoje é domingo (ou apenas porque sim...)

quarta-feira, 25 de abril de 2007

: da poesia e da liberdade na rua





















pintura de H. Vieira da Silva

Climas, Nuri Bilge Ceylan

domingo, 22 de abril de 2007


segunda-feira, 16 de abril de 2007

adoro/detesto velórios

…familiares e amigos e colegas e conhecidos e desconhecidos e outros que não se sabe quem são ou porque vieram (nem os próprios)…
É vê-los chegar, condoídos e impecáveis, de gravata ou rendas, óculos escuros e palavras perfeitas.
(alguns trazem flores, outros não)

…tudo no seu lugar, irrepreensível (…e a capela tão bonita, tão bem arranjada)
Todos muito quietos, depois de abraços sentidos e beijos piedosos.
Todos calados e pensativos, de sobrolho franzido e mãos postas e braços mudos.
Todos de escuro; nem uma corzinha, nem um sorriso, nem um cabelo em desalinho
(só silêncio e murmúrios)

…palavra de honra; é que nem o morto destoa, impecável, na sua pose digna e severa, no seu melhor fatinho a cheirar a naftalina
(e o naperon tão branquinho)
…impecável.

E deixa-se o morto e a viúva e as beatas e as flores e as rezas…
(e a solidão de estar ali…)
E vai-se para a pastelaria do prédio em frente (snack-bar “O Paraíso”) onde não cabem mais que três mesas com três cadeiras cada e onde os bolos de arroz desmaiam na vitrine com ar de que estão ali há uma semana e onde há um empregado desdentado a quem se pede chá e bica (bem tiradinha, se faz favor…) e onde se come qualquer coisa para calar o estômago e onde uma televisão pregada ao tecto mostra os programas da tarde com os seus casos e cantores e misérias e aspiradores e viúvas … (realmente a televisão nunca dá nada de jeito) e onde à mesa, entre chávenas e guardanapos, se fala do mal-educado do morto, um sovina que até batia na mulher (toda a gente sabia) e se finge ter pena dele (que Deus o tenha e guarde) e da esposa (coitadinha) e da amante (a galdéria do 2º esquerdo) e do filho, que parece que afinal nem acabou o curso lá por Lisboa (…como o outro, era engenheiro sem o ser) e da vizinha e de toda a gente… e onde por fim, com a boca suja de migalhas, se vai dizendo “é assim, é a vida” e se conclui “é a vida” e se tenta não lembrar que um dia destes ainda nos acontece o mesmo; impecáveis e dignos, vestidos no melhor fatinho a cheirar a naftalina…
(impecável).

dos "grandes" V

sábado, 14 de abril de 2007

espera


quinta-feira, 12 de abril de 2007

"está bem abelha"

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Como o meu pai costuma dizer, de onde menos se espera é que não sai nada de jeito, e talvez por isso nunca me entregou um lugar de responsabilidade na empresa. Não se trata de uma empresa grande: é o meu pai, a secretária do meu pai, meia dúzia de operários e eu fabricamos clips, os clips Osório para prender papéis, vendidos em caixas de 150 nas boas casas da especialidade ou seja papelarias de bairro entre o Alto de Santo Amaro e a Ajuda. Os clips pertencem à família há três gerações, a secretária do meu pai entrou para a firma quando a veia da cabeça da minha mãe lhe rebentou e ela está lá na vivenda, muito quietinha na poltrona, com uma manta nos joelhos, a olhar para a gente com um olho morto e o outro meio vivo e a cochichar de vez em quando
- Osório
a única palavra que consegue pronunciar e que mostra bem o seu apego aos clips. Antes da história da veia a minha mãe protegia-me: sempre que eu preenchia mal uma factura e o meu pai vinha do gabinete ralhar comigo
- De onde menos se espera é que não sai nada de jeito
a minha mãe que fazia tudo o que a secretária faz agora menos dar-lhe beijinhos entre portas protestava logo
- Deixa o rapaz sossegado Gustavo que ele nasceu para o saxofone
o meu pai ainda argumentava
- Então que largue os clips e se dedique à Filarmónica
mas amainava a zanga e permitia que eu passasse os sábados e os domingos a tocar pasodobles nos ensaios da Estudantina. Depois a veia saltou, a minha mãe recolheu à poltrona a segredar
- Osório
o meu pai admitiu a secretária que me preveniu ao segundo dia, toda inchada de importância
- Agora a música é outra senhor Tadeu
e de facto pelo barulho que ela fazia no gabinete do meu pai o ritmo tornou-se diferente. O meu pai deu-lhe sociedade nos clips e nomeou-a gerente, tirou-me do escritório e agora trabalho na entrada a abrir a porta e atender telefones. A mim não me rala. A única coisa que me aborrece é não poder trazer o saxofone e ensaiar aqui, por o maestro achar que ando uma oitava acima no Viva Dolores e atrapalhar o meu colega do trombone de varas. Se eu pudesse ter o saxofone na empresa a minha vida mudava: assim que o meu pai desembestasse do seu canto a agitar um papel indignado
- De onde menos se espera é que não sai nada de jeito
eu soprava o Viva Dolores a pensar
- Está bem abelha
e nem sequer o ouvia, a ele e à secretária, a chamarem-se pêssego, a chamarem-se maçãzinha, a chamarem-se outras frutas e a derrubarem caixas de clips no gabinete trancado. Pensava
- Está bem abelha
metia o saxofone à boca e esquecia-me de abrir a porta, esquecia-me de atender os telefones, a apurar o Viva Dolores para não estragar a partitura ao trombone de varas. O meu pai falou anteontem em despedir-me por eu não dar rendimento no serviço. Falou-me que pela primeira vez em três gerações um Osório não tem amor aos clips. Pela primeira vez em três gerações um Osório prefere tangos aos arames. Pela primeira vez em três gerações um Osório nasceu parvo. Que pela primeira vez em três gerações um Osório não merece prender os papéis dos portugueses e que em vista disso passava a minha quota para o nome da dona Vivelinda, a qual para além de ser competente nas facturas ganhou tanta afeição aos clips como se pertencesse à família. Ao contrário do que vocês possam imaginar não me incomodei. O maestro acha que eu já acerto com o Viva Dolores e a minha ideia é agarrar no saxofone, num banquinho de lona e num boné velho, sentar-me no banquinho à entrada da Igreja da Ajuda, pôr o boné, virado ao contrário, no chão, e tocar pasodobles aos domingos de manhã entre duas missas. O cego da concertina, que está lá há seis anos, diz que existem dias de se fazer cem escudos e mais no caso do sacristão não vir perturbar os artistas com o cabo da vassoura. O sacristão não deve ser muito diferente do meu pai e se ele aparecer a ameaçar-me com o pau eu
- Está bem abelha
pego no saxofone, no banco e no boné e mudo a minha arte para a capela de Alcântara. Os artistas em vida é quase sempre assim, e o Bach por exemplo deve ter apanhado imensas vezes com uma esfregona no toutiço o que não o impediu de compor as Violetas Imperiais e o Esta noche me emborracho. E como ainda hoje eu disse ao cego, que concordou comigo, o que é que o Bach e o Mozart tinham, em matéria de queda para os pasodobles, que a gente os dois não tenhamos?
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"Livro de Crónicas"
crónica de António Lobo Antunes

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Construção

Chico Buarque

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Vai passar

Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais

Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações

Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear

Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar


Francis Hime - Chico Buarque, 1984

segunda-feira, 2 de abril de 2007

dos "grandes" III

Trienal

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TRIENAL DE ARQUITECTURA DE LISBOA

Ai Criaturas / Corações




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Labirinto, óleo s/papel, 2007

pintura de Brígida Machado
...até dia 14 de Abril, Galeria Trema

domingo, 1 de abril de 2007

Aniñando

Morrer.
Mas antes, e acima de tudo, viver, de preferência em boa companhia...Comovente. de deixar a lágrima ao canto do olho pelo trágico e pela comédia. Pela inevitabilidade e pela alegria de viver...de rir...de chorar...por mais. Porque depois do fim há...(rodolfo!!!!!).
Porque sim.
Porque viver é bom. Porque quando morrermos deve ser uma chatice descobrir como é que se cruzam as mãos...!
Viver.
Porque não?
a propósito de "Aniñando", em cena no Teatro da Trindade até 1 de Abril