sábado, 6 de outubro de 2007

palavras

"(...) é o que diz Molero, há os que tomam o peso à palavra, os que lhe medem o comprimento e a altura, os que cheiram a palavra, os que espreitam para dentro dela, os que se empoleiram nela, os que a trazem às costas, os que a limpam constantemente, que a guardam avaramente na algibeira, que dormem com ela debaixo do travesseiro, que a colam ao céu da boca, que andam na rua com ela a dançar à frente dos olhos e depois dão com a cabeça num candeeiro, que tomam posse dela, de preferência à luz das estrelas, e depois deitam-na fora sem mais nem menos, esta palavra já está, agora venha outra, e há os outros, aqueles que amontoam palavras, caem-lhes palavras do bolso quando tiram o lenço com um gesto abrupto, e cada folha de árvore tem um nome, e cada grão de areia também tem, e as palavras que existem já não chegam, fazem palavras novas com tudo o que aparece, tiram palavras do ombro quando sacodem a poeira, e depois nascem palavras por geração espontânea, são já as palavras que se escrevem a si próprias, umas puxam as outras, nunca mais acaba, e há aquela história, um pouco à Kafka, do homem que se fechou por dentro enquanto as palavras se amontoavam do lado de fora da porta, espalhavam-se pela escada e chegavam à rua, apoderavam-se da cidade e do país, faziam pressão sobre a porta, o homem colocava cadeiras e mesas do lado de dentro para as palavras não entrarem (...)".
in O que diz Molero, Dinis Machado, Livraria Bertrand

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